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quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Seppir amortece críticas ao Governo, diz jornalista

Por: Redação - Fonte: Afropress - 22/1/2008

Rio - O jornalista Marcio Alexandre Martins Gualberto (foto), da Comissão Executiva do Congresso de Negros e Negras do Brasil (CONNEB) e dirigente do Coletivo de Entidades Negras (CEN), disse que a Seppir - a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, "uma conquista do Movimento Negro” - ao invés de servir ao Movimento “serve como amortecedor de críticas desse setor ao próprio governo. “Os negros que ficam dentro dos partidos da base do governo, posando como se toda agenda do MN se resolvesse pela via partidária acabam também cumprindo esse papel e ajudam a fortalecer o discurso sem pé nem cabeça do presidente”, afirmou, referindo-se à declarações do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo as quais, o Estatuto da Igualdade Racial, que está no Congresso há 12 anos, ainda não foi votado por desunião das lideranças.
Respondendo à críticas feitas pela coordenação política do Congresso do Rio Grande do Sul, que recentemente lançou manifesto responsabilizando “pseudo-lideranças” pelos desacertos na organização do Congresso, Alexandre disse estranhar que a cobrança venha de onde está vindo: de militantes de um modo geral, vinculados a organizações nacionais que fazem parte da direção do Congresso (CONEN, MNU e UNEGRO). “Ora, a minha leitura é simples, há setores que estão usando o CONNEB para amplificar suas próprias disputas internas”, assinalou.
O jornalista, que é colunista de Afropress, chamou de cínica a fala do Presidente Lula, para quem o Estatuto só não foi ainda aprovado pela desunião das lideranças negras. “É uma fala cínica. É a fala da elite branca de dizer que como nós somos desunidos por isso não resolvemos nossos problemas.
Na longa entrevista concedida ao editor de Afropress, Márcio falou ainda do Estatuto, da complexidade do Movimento Negro e sobre o CONNEB acrescentou: “Penso que temos que ser menos histéricos em algumas posições que assumimos. Precisamos entender o CONNEB como um processo amplo e que não se esgota em si mesmo”.

Veja a entrevista na íntegra
Afropress - Como membro da Comissão Executiva da Coordenação Política Nacional, como recebeu as críticas da coordenação política do Rio do Sul, aos métodos e ao processo de organização do Congresso Nacional de Negros e Negras do Brasil?
Márcio Alexandre - As críticas dos companheiros e das companheiras do Sul são construtivas. Vêm no sentido de somar, de ajudar a dinamizar o processo. São muito bem-vindas. Em momento algum as vi como um grande cavalo de batalha, pelo contrário, as percebi moderadas, bem construídas e buscando problematizar questões que estão dadas e que são inerentes a um processo amplo e complexo como é o CONNEB.

Afropress - Entre as críticas, os subscritores apontam o não cumprimento do calendário, o descumprimento de acordos e a postura mandonista de algumas lideranças, que a partir de São Paulo passaram a se comportar como se fôssem donas do Movimento Negro. Como responde a essas críticas? Você considera que Edson França (Unegro), Flávio Jorge (CONEN), e Milton Barbosa (MNU) tem atendido a expectativa da base no quesito transparência na organização do Congresso? De zero a 10, qual a nota que você daria para a Comissão Executiva desse Congresso?
Márcio - Há algumas questões aí. A primeira é entender exatamente o que é o processo de construção do CONNEB. Ele não é de São Paulo e ele não é de duas ou três instituições e, muito menos, de pessoas, indivíduos. Ele é muito mais que isso.
E aí, meu caro Dojival, nós temos antes de tudo que entender a complexidade do próprio Movimento Negro e do contexto que estamos vivendo.
Primeiramente eu gostaria de dizer que nunca a temática étnico-racial esteve tão presente na sociedade brasileira. Quando o principal consórcio de comunicação do país, que é o Sistema Globo, nos elege como adversários e nos brinda, quase que diariamente, com matérias querendo nos detonar, reduzir nossas agendas a demandas de segunda ou terceira categoria, claro está que nós estamos incomodando à grande elite. Nós deixamos de fazer política periférica para chegar à política de ponta.
Contraditoriamente chegamos ao governo via PT. O que num primeiro momento seria uma grande vitória para o MN e para todos os movimentos sociais mostrou-se um grande problema graças aos modus operandii petista que coopta, desqualifica ou simplesmente sufoca os movimentos sociais. Então o paradoxo é que temos uma Seppir que é conquista do MN, mas que ao invés de servir ao MN, serve como amortecedor de críticas desse setor ao próprio governo. Daí que é risível e até mesmo cretina a fala do presidente no fim do ano quando disse que mais poderia ser feito pela Seppir se houvesse mais cobrança.
Eu sou de uma organização, o Coletivo de Entidades Negras (CEN), que cobra o tempo todo. Nós sabemos o quão caro isso nos tem saído. Mas nem por isso mudaremos nosso modo de agir e pensar com relação a esta problemática.
Por fim, temos que considerar que o MN é um movimento social com uma pauta enorme e nenhum recurso. As agências de financiamento viraram as costas para o MN, na máquina pública só se consegue alguma coisa se você fizer parte do clube de amigos, e aí não falo apenas de Seppir, mas de Fundação Palmares, e todos, sem exceção, todos os outros ministérios, então daí vemos a que ponto chegamos.
Enfim, há todo um nível de complexidade que precisa ser considerado antes de se atacar a, b, c ou d e, pior, reduzir as questões do CONNEB às mumunhas institucionais de uns ou de outros.

Afropress - Mesmo sem citar nomes, a coordenação gaúcha responsabiliza “pseudo-lideranças que carregam histórico individual de transgressão de princípios éticos devido aos seus próprios referenciais de orientação política, que culturalmente mantêm uma relação sistemática de surrupiar os processos democráticos”. A quem estão se referindo?
Márcio - Essa é uma pergunta que deveria ser dirigida aos gaúchos. A mim já me disseram que não sou. Fiquei até feliz, porque posso até ser pseudo, mas não sou liderança de nada. Sou um militante disposto a colaborar com o pouco que sei.
Agora, de fato, precisamos considerar que se há uma crise hoje dentro do MN é exatamente de lideranças. Quem é liderança hoje dentro do MN? Quem tem poder de convocatória? Quem diz “vamos por ali” e os outros seguem?
E o próprio CONNEB, que se configura como um processo líder dentro do MN tem um problema ainda a resolver que é o fato de não ter atraído setores essenciais para essa discussão.
Agora, uma verdade precisar ser dita. Você está lidando com a multiplicidade do MN. Eu sou testemunha do esforço que cada uma das 13 organizações vêm fazendo internamente para construir o CONNEB. Eu sei das nossas conversas internas, sei das conversas e dos acordos que vimos construindo para tentar salvar determinadas questões. Agora o que pouca gente considera é que o MN tem um dinamismo próprio, e um tipo de democracia que é força e fraqueza ao mesmo tempo. Porque por mais que eu, como dirigente possa firmar algum acordo, se um militante da minha base chegar numa reunião e resolver detonar esse acordo e minha posição ele o faz sem dó, nem piedade.
Ou seja, no nosso ordenamento político interno, nós, do MN, não construímos a disciplina política de respeito aos quadros dirigentes. Essa é uma das contradições do MN com as quais o CONNEB tem que lidar cotidianamente.

Afropress - Também o documento acrescenta que as entidades e organizações do Movimento Negro foram até agora isoladas de uma construção coletiva pelo "individualismo de dirigentes" a quem também acusa de "tentarem ocupar espaço político de visibilidade e decisão à revelia de uma relação transparente e verdadeiramente construtiva". Você está de acordo com esse tipo de crítica?
Márcio - A princípio sou contra esse tipo de crítica. Agora volto ao que pontuei acima a respeito do nosso modelo de democracia interna. Quando todo mundo está acostumado a discutir tudo, qualquer coisa que não seja levada a termo já é visto numa perspectiva de manobra ou de isolamento. Isso não é verdade.
Veja bem, estamos num momento da mais absoluta delicadeza. As tensões existentes entre as forças políticas do MN são enormes. Elas se fazem presentes a cada instante. A primeira decisão que tomamos na reunião pós-assembléia do Rio de Janeiro, foi que não se trabalharia com vetos (por isso, inclusive, é que a questão do Brasil Afirmativo nunca foi tão complexa, como você sempre pensou), isso facilitou o diálogo.
Mas as tensões são latentes. Então você imagina se começarmos o tempo todo a divulgar tudo, a colocar tudo na roda. Há que se ter confiança nos quadros dirigentes ou então os deponha e coloquem-se outros em seus lugares.
O engraçado é que esse tipo de cobrança venha de militantes que de um modo geral estão vinculados a organizações nacionais que fazem parte e estão na ponta da construção do processo. Ora, a minha leitura é simples, há setores que estão usando o CONNEB para amplificar suas próprias disputas internas. O CONNEB não tem nada a ver com isso e nós institucionalmente, não nos imiscuímos nos problemas internos de ninguém. Cada um que resolva seus problemas internos. Agora se eles vierem a se tornar problemas políticos para o CONNEB aí teremos que buscar dar soluções políticas também.

Afropress - Ainda segundo a coordenação gaúcha numa manobra induzida por atores reacionários do movimento negro, quem como tarefa o uso do Congresso para o fortalecimento de partidos e correntes partidárias", coloca em risco o próprio Congresso. Chegam a pedir observadores dos movimentos sociais pelo risco à credibilidade do Congresso. Você considera isso necessário?
Márcio - Eu acho que há um dificuldade em entender uma coisa básica com relação ao CONNEB: ele é um processo político que visa reunir o Movimento Negro para discutir um projeto político do povo negro para o país. É um processo para as gerações futuras. Para 20, 30, 50 anos. Não é para agora.
O CONNEB não está aqui para discutir as políticas públicas do governo Lula para a população negra. Para isso haverá a Conferência de Promoção da Igualdade Racial e aí, sim, seguiremos a orientação do presidente e colocaremos todos os dedos nas feridas, cobraremos bonito e faremos esse governo perceber que estamos retrocedendo ao invés de avançar, sob uma rubrica fajuta de promoção da igualdade racial.
Portanto, as preocupações dos setores político-partidários do MN ligados ao governo do quanto iremos cobrar do governo têm que mudar o foco, tem que se preocupar com a Conferência, não com o CONNEB. O CONNEB quer e precisar ir além das discussões político partidárias.
O CONNEB tem que discutir se daqui 10, 15, 20 anos estaremos prontos para ter um partido negro no país. O CONNEB precisa discutir se vamos tomar o poder pelas vias democráticas ou se buscaremos um novo modelo revolucionário do século XXI para tal coisa?
O CONNEB não tem que discutir se o Lula é bonitinho, se Matilde faz o dever de casa ou se o PT é alguma coisa além de uma colcha de retalhos. O CONNEB precisa ir muito além disso. O CONNEB precisa dizer que modelo econômico esse país tem que adotar para incluir sua população negra. Que modelo de educação queremos.
Abro um parênteses para dizer que as plataformas como Estatuto da Igualdade Racial, políticas de Ações Afirmativas, Lei 10.639, nos unem, nos colocam todos sob a mesma perspectiva. Mas isso é discussão que deve ser tratada pelo MN como entidades, como articulações, como Ongs etc. O CONNEB precisar ir além disso. Precisa pensar um cenário de Brasil com ou sem Estatuto da Igualdade Racial, com ou sem Lei 10.639, com ou sem ações afirmativas. É discussão estratégica. É discutir a ocupação do Estado, da máquina pública. É discutir como chegar às bases e como mobilizar os corações e mentes.

Afropress - “Esses militantes há décadas vem sendo os responsáveis por grandes equívocos e contradições que tem levado o movimento negro brasileiro a um verdadeiro retrocesso estratégico principalmente pelo seu vinculo institucional partidário e governamental aquém dos interesses do movimento social negro”, diz o manifesto dos negros gaúchos. Você considera que existem de fato no processo de organização do Congresso lideranças que se enquadram ao perfil sugerido?
Márcio - Como já disse, quem escreveu que se apresente e diga exatamente a quem se refere e por quê. Eu penso o seguinte, se as lideranças envelhecem, se tornam anacrônicas, cabe às bases apeá-las e construir novos nomes. No CEN nós temos trabalhado a formação de novas lideranças. Queremos que daqui cinco anos, tenhamos jovens que hoje estão na universidade, entrando nela, ou atuando na base, prontos para nos substituir.
Eu acho ruim que as lideranças se perpetuem, acho que tem que oxigenar, tem que dar espaço para os jovens. Agora não devemos jogar as pessoas ao mar. Acabou o tempo delas, ok? Mas e o acúmulo, e o saber? Joga-se fora? Não. Trabalha-se isso de outra forma. Agora precisamos, realmente, rever o conceito de liderança entre nós. Esse pra mim é um ponto essencial.

Afropress - Como será possível conciliar a organização do Congresso com a mobilização já desencadeada pela Seppir/Governo visando II Conferência de Promoção da Igualdade Racial, em maio?
Márcio - Foi como disse na reunião ocorrida aqui no Rio no sábado. A Conferência da Seppir é uma pauta do governo, não do Movimento Negro. Quem chama convida, paga a conta e está disposto a escutar o que o convidado tem a dizer. Nós participaremos do processo nos estados onde estamos. Faremos delegados e teremos posições firmes com relação à decantada promoção da igualdade racial e ao modus de atuação da Seppir e de seus correlatos na máquina pública.

Afropress - Como você vê a atitude dos setores do movimento Negro (leia-se CONEN, UNEGRO e uma parte do MNU, a que não defende a retirada), que restringiram-se a observar de longe, a mobilização em defesa da pressão sobre o Congresso para aprovar o Estatuto?
Márcio - Como se diz aqui no Rio, “cada um com seu cada um”. Eles devem ter seus motivos.

Afropress - Qual é a posição do CEN sobre isso?
Márcio - Nossa posição é que o Estatuto é uma peça importante, mais pelo simbólico do que por qualquer outra coisa, afinal, sem o fundo que foi retirado graças a um acordo do Palocci, Dirceu e Matilde, o que é o Estatuto se não uma carta de boas intenções?
Agora, faremos esforços, campanha e pressão para que ele seja aprovado. Mas não é a nossa principal agenda. Nós temos três eixos que trabalhamos fortemente: juventude, gênero e religião de matriz africana. Esses são os eixos temáticos do CEN. Externamente jogamos forças em temas como o CONNEB, direitos humanos e comunicação. Mas fechamos pró-Estatuto.

Afropress - Como vê a posição da ala do MNU que defende a retirada?
Márcio - Não vejo. Penso que é uma questão interna do MNU que espero que se resolva.

Afropress - Como encarou a posição do presidente Lula que no dia 20 de Novembro disse que o Estatuto só não foi aprovado ainda por falta de união dos negros e sugeriu que "cutucassem" o Governo?
Márcio - É uma fala cínica. É a fala da elite branca de dizer que como nós somos desunidos por isso não resolvemos nossos problemas. E o paradoxal é que o pavor que eles têm é que nós possamos nos unir um dia. Veja os mucamos modernos que atendem pelo nome de Movimento Negro Socialista. Nunca existiram. Passaram a existir pra carregar o véu da saia da sinhazinha moderna chamada Ivonne Maggie. Dá pra ter respeito por essa gente? Nem um pouco. Num contexto de guerra seriam julgados em corte marcial por traição. Mas fazem bem o papel, Lula gosta deles, Maggie nem se fala, pois eles ajudam a fortalecer o discurso de que somos desunidos.
Os negros que ficam dentro dos partidos da base do governo, posando como se toda agenda do MN se resolvesse pela via partidária acabam também cumprindo esse papel e ajudam a fortalecer o discurso sem pé nem cabeça do presidente.
Agora ele está no direito dele de dizer tal bobagem e nós de darmos respostas na hora que acharmos melhor.

Afropress - Faça as considerações que julgar pertinentes.
Márcio - Penso que temos que ser menos histéricos em algumas posições que assumimos. Precisamos entender o CONNEB como um processo amplo e que não se esgota em si mesmo. Nós do CEN estamos construindo uma proposta que é alargar o calendário do CONNEB. É entender que estamos premidos num ano em que no primeiro semestre temos a conferência da Seppir e no segundo o calendário eleitoral. Soma-se a isso o fato de não termos ainda o financiamento para o CONNEB. Precisamos resolver isso.
Então entendemos que a Assembléia do Rio Grande do Sul tem que ser uma assembléia extraordinária para discutir o regimento. Temos que aproveitar o restante do ano para promover seminários estaduais e/ou regionais para começar a construir uma proposta de projeto político; temos ainda que atrair setores que não vieram tipo quilombolas, glbtts, articulação de mulheres, parlamentares, pré-vestibulares, hip hop e outros setores da juventude e por aí vai. Com um 2009 dedicado a finalizar o CONNEB, teremos aproveitado o 2008 para mobilizar as bases, nos estados e municípios.
Como eu disse, temos que ter uma visão estratégica sobre esse processo.
Obrigado, Dojival, pela oportunidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

É, o Marçola fez acordo com a Globo e depois diz que o povo não é bobo... Mas ele é Mengão e gente boa! Parabéns pela divulgação.

Grande abraço,

Paulo Lima

Anônimo disse...

Sagaz e profundo o comentário Plima, deveria entrar numa lista de dicussão para aprofundar a análise. Ou criar um blog.
Ter o Márcio no noticiário da TV e ler no blog suas opiniões é que é exemplo para quem não é bobo.
Axé e Evoé